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Filosofia para blogueiros.

Porque eu sei que o internauta não gosta de textos cumpridos, e isto por duas razões fáceis de compreender, que consiste primeiro no conforto visual e segundo com a prosposta própria dos blogs que dá primazia ao texto descompromissado que ao científico, tirei os meus artigos da página principal, arquivando-os. De qualquer modo, se o leitor quiser uma leitura científica, com referências e citações de acordo com as normas da ABNT, é so seguir a lista dos marcadores, especificamente a que trata do assunto da fundamentação última da Filosofia na contemporâneidade.
Há várias correntes e linhas de pesquisas para uma fundamentação última para o saber e o agir humanos: a materialista, a idealista, a existencialista, a pragmatista, a fenomenológica, a analítica, a niilista, a perene e assim por diante. Nesses artigos, falo sobre a via pragmatista; de dois filósofos especialmente: Charles S. Peirce e Karl-Otto Apel. O segundo, influenciado pelo primeiro, coloca a linguagem anterior ao pensamento como forma de conhecer, pensar, refletir, fundamentar e conferir validade ao conhecimento humano enquanto tal. Numa critica bem simples do filósofo da linguagem ao filósofo da "consciência" é esta a seguir: experimente pensar sem a linguagem, para ver se consegue!
É uma crítica muito pertinente, tal como aquela que o filósofo idealista diz ao filósofo materialista: escute, por acaso você já viu uma idéia andando por aí? Se não, por que diabo você me diz que tudo é matéria? É a expressão mais superficial de toda uma filosofia, e quando digo superficial não me refiro ao surpléfuo, e sim o que está na frente, como um slogan eu diria. Parecida com estas duas, há aquela pergunta que o realista diz para o pensador solipsista, do idealismo absoluto: se você acha que tudo é um sonho dentro de um sonho, por que você não bate a cabeça contra a parede, para ter certeza do que está falando?
De fato, a pergunta se é possível pensar sem a linguagem é bastante pertinente, mas não é completamente acurruladora. Tanto é que o filósofo idealista consegue esquivar-se, afirmando que antes da linguagem vem a percepção da realidade, sem a qual seria impossível a própria linguagem e interpretação do mundo. Por hora, explicitarei aqui, em linhas gerais, a filosofia que considera a linguagem como instância primeira e fundamental do saber - e aqui falarei explicitamente da Filosofia de Karl-Otto Apel. Em seguida, falarei sobre a filosofia que considera o pensamento a fundamentação última do saber. Por outro lado, não posso deixar de dizer que essa é a segunda questão do problema sobre a fundamentação última das Ciências e da Filosofia, pois há a hipótese de que não seja possível tal empreendimento.

Filosofia de Apel afirma:
1. A linguagem não é apenas um instrumento de comunicação do pensamento, e sim a condição de possibilidade e de validade do próprio pensar.
2. Isto porque no processo do conhecimento há uma relação triádica entre o sujeito, o objeto e o signo - este último, desconsiderado pela filosofia da consciência, em que se prendia apenas na relação sujeito-objeto, própria do pensamento solipsista.
3. O próprio ato de argumentar pressupõe, a priori, que existem regras no discursar, cujas regras não são de um sujeito trasncendental, e sim do sujeito, de um co-sujeito e da interpretação semântico-pragmática dos signos. Portanto, o conhecimento não é nem objetivo, nem subjetivo: é antes intersubjetivo, isto é, se dá entre a subjetividade dos sujeitos.

Filosofia que tem o pensamento como instância primeira do conhecimento:
1. O primeiro conhecimento que temos é intuitivo: o saber de si-mesmo: penso, logo existo; existo, logo sou, logo penso. É uma intuição primária, sem a qual seria impossível conhecer: porque eu sei de mim, posso saber do resto, dos demais, dos objetos, dos outros.
2. É um ato espiritual, inato no ser humano.
3. É a partir da intuição que podemos dintinguir as coisas, separá-las, nomeá-las, dar significados e assim por diante.

Crítica a esta teoria do conhecimento: ela é solipsista, pois não considera o outro.
Crítica à semiótica transcendental de Karl-Otto Apel: a semiótica não tem pretensões de fundamentos últimos, principalmente a Peirciana.
E você, o que acha?
É possível uma fundamentação última para o saber e o agir humanos?
O que dá condição de possibilidade ao conhecimento, a intuição ou a linguagem?

1. O problema

Toda filosofia transcendental se caracteriza como sendo aquela que pergunta pelas condições de possibilidade e de validade para o nosso pensar enquanto tal. Na tentativa de resolver o problema acerca da questão de como o nosso conhecimento é possível, e de quais os critérios que podem conferir validade ao conhecimento, é que Kant dedicou a sua vida inteira como filósofo. Nessa sua empreitada, ele acabou indo mais longe, perguntando não somente como o conhecimento é possível, mas também seus limites.
Na pergunta transcendental, a sua vez, está embutida uma pergunta que vai mais além, a saber: como a experiência é possível? A resposta para essa interrogação fundamental levou Kant a afirmar que a experiência é possível graças à “síntese transcendental da apercepção”, que garante a existência dos juízos a priori. Não obstante, com os grandes avanços da lógica moderna, bem como também as grandes descobertas no âmbito da física, a noção de juízos sintéticos a priori passaram, no cenário filosófico, para a condição de enunciados sem sentido .
O nosso objetivo, nesse artigo, é demonstrar uma outra proposta filosófica que responde pela questão de como a experiência é possível. Essa proposta filosófica é de um pensador norte-americado chamado Charles S. Peirce, fundador do pragmatismo.

2. Resolução do problema.

Apel interpreta a “lógica sintética da pesquisa” de Peirce como uma transformação da lógica transcendental de Kant. O motivo que leva Apel para a presente interpretação se deve sobretudo ao fato de que Peirce substitui a unidade da “síntese transcendental da apercepção kantiana”, enquanto fundamento objetivo da ciência e da filosofia, pela unidade lógica da “interpretação consistente dos signos” . Deste modo, Peirce empreende um “giro” filosófico rumo à uma crítica cognitiva enquanto análise lingüística, em oposição à crítica cognitiva enquanto análise da consciência, própria dos filósofos modernos como Descartes, Kant e Husserl. Com isso, a partir desta sua nova teoria do conhecimento, Peirce consegue resolver definitivamente o problema da relação entre linguagem e pensamento.
Para Peirce, o mundo, ou melhor, o universo, é um grande argumento a ser interpretado, é um signo que representa algo para seu interpretante . Sendo assim, o sujeito, além de ser um signo também, ele é, antes de tudo, um interpretador. E na condição de interpretante, no fenômeno do conhecimento, ele não está submetido somente no paradigma da relação diática entre sujeito e objeto tão somente, mas está sujeito a uma relação triádica composta por ele, pelo signo, e pelo objeto, compondo, os três, a realidade. A partir destes pressupostos, não se pode mais afirmar que o sujeito pode ter conhecimento do que não seja lingüístico (extra ou supra-lingüístico) tal como pressupõe uma fenomenologia voltada à percepção e à evidência da realidade enquanto “imagem” da “estrutura” lógico-formal ontológica do mundo.
Isto, no entanto, não quer dizer que não haja uma realidade extra ou supra-lingüística, como no caso das “imagens” da realidade ou dos “modelos” estruturais entre coisas e estado de coisas; significa, isso sim, que só há conhecimento por meio da linguagem. Do mesmo modo, não se pode conhecer o pensamento sem a mediação lingüística, pois, conforme Peirce, “o único pensamento possível de se conhecer é o pensamento formulado signicamente”; e o “pensamento que não se pode conhecer, não existe” . Portanto, não há a possibilidade de existir algum pensamento intuitivo absoluto, uma vez que todo conhecimento formulado por signos tem a sua realidade não em uma visão instantânea e carente de relações, e sim na interpretação de um pensamento-signo por meio de um pensamento que sucede no tempo, o qual, a sua vez, se converte em um signo para outro pensamento, e assim sucessivamente, até o infinito .
Para Peirce, ainda que exista fenômenos exteriores a linguagem humana, eles não deixam de ter um caráter sígnico. Não obstante, quando esses fenômenos são interpretados, eles alcançam apenas um caráter sígnico “degenerado”. Para Peirce, há signos que são “duplamente” degenerado, como no caso das “imagens” ou “modelos”, que carregam em si a função icônica, a qual serve para “representar” que algo é assim na qualidade de (quali-signo, ícone, Primeiridade). Dentre esse signo, Peirce explica que há um outro signo, que é “degenerado” de modo simples. É o caso da função dêitica da linguagem (índice), que está implicada sobre a relação fática dinâmico-física de determinados processos naturais .
De uma maneira distanciada, podemos então dizer, com Peirce, que a realidade, mesmo sem a existência do ser humano, possui funções lingüísticas para poder ser interpretada: o ícone como qualidade de algo assim em sua presentidade, e o índice, como indicativos de algo para algo em sua secundidade. Essa linguagem, poder-se-ia dizer em termos do jovem Wittgenstein, é a linguagem que figura a estrutura ontológica do mundo. Porém, a relação sígnica da linguagem é genuinamente triádica, isto é, ela é composta de signo, do objeto designado e do interpretante. Dessa maneira, tanto a função sígnica do ícone, quanto a função sígnica do índice, só são o que são graças a um terceiro, ou seja, ao interpretante. A linguagem deste, que é a linguagem humana, a sua vez, ao contrário das funções icônica e deítica, se baseia fundamentalmente em símbolos (terceridade). No entanto, a linguagem humana só é possível graças as suas três funções: a icônica, a deítica e a simbólica, aonde uma complementa mutuamente a outra .
Para Apel, a partir da semiótica de Peirce é possível colocar em xeque o atomismo lógico do primeiro Wittgenstein, e todo o desenvolvimento da filosofia analítica moderna da primeira fase que exclui o sujeito da filosofia e que não confere relevância filosófica à dimensão pragmática da linguagem. Conforme Apel, analisar a linguagem somente por meio de sua dimensão sintático-semântica é analisar uma linguagem que possui somente as funções icônicas e deíticas, e não a função simbólica . Mas, acima de tudo, para Apel o maior mérito da semiótica de Peirce é a transformação que ela efetua em relação à filosofia clássica transcendental de Kant. Com ela, Peirce pode então não somente demonstrar que é a linguagem que fundamenta o saber e o agir humanos com sentido enquanto tal, como supera também a distinção kantiana entre objetos cognoscíveis e objetos incognoscíveis, entre filosofia prática e filosofia teórica, e com isso, a definitiva superação do solipsismo metódico.
Na transformação da filosofia clássica transcendental de Kant, Peirce substituiu a “lógica transcendental” kantiana, que tem o seu ponto “mais alto” na unidade da “síntese transcendental da apercepção”, por uma “lógica sintética da pesquisa”, que tem o seu ponto “mais alto” na unidade da “última opinião da comunidade indefinida de investigadores”. No processo para tal transformação, Peirce parte do três tipos de raciocínios de sua lógica da pesquisa, bem como os três tipos de signos como ilustrações de suas três categorias fundamentais, para poder chegar numa resposta definitiva de como a experiência é possível – para Kant, a experiência é possível graças a “síntese transcendental da apercepção”.
Para demonstrar esse itinerário peirciano, é sensato antes de qualquer coisa definir o conceito de signo proposto por Peirce. Para ele, um signo, ou Representamem, é “algo que representa, para um interpretante, algo diferente em certo aspecto ou qualidade” ; ou melhor: “é um Primeiro que se coloca numa relação triádica genuína com um Segundo, denominado seu Objeto, que é capaz de determinar um Terceiro, denominado seu Interpretante, que assuma a relação triádica com seu Objeto, na qual ele próprio está em relação com o mesmo objeto .
Conforme Peirce, no signo estão implícitas três categorias: a qualidade isenta de relações, que expressa algo como algo em seu ser-assim por meio da função do signo ícone (imagem), e que se chama categoricamente de “presentidade” ; a relação diática do signo com os objetos por ele designado, que corresponde ao signo índice (pronomes como: isto ali) e que é “secundidade” ; e por fim, a relação triádica do signo enquanto mediação de algo para um interpretante, que é a categoria “terceridade” e tem o símbolo como signo correspondente . Ora, a partir desses três tipos de signos, Peirce pode então abstrair os três raciocínios da pesquisa, que são: a dedução, que corresponde à terceridade, e que é um mediação racionalmente necessária; a indução, que corresponde à secundidade, e que é um raciocínio que funciona como confirmação do que é geral pelos fatos apresentáveis aqui e agora; e finalmente, o raciocínio abdutivo ou hipotético, que corresponde à terceridade e que funciona como cognição de novas qualidades do ser-assim .
Após essa distinção entre os raciocínios, Peirce encontra no raciocínio hipotético a resposta de como a experiência é possível. Para Peirce, o raciocínio hipotético, enquanto opinião, além de ser o único raciocínio que pode elaborar um conhecimento novo do real , elimina definitivamente a distinção kantiana entre objetos cognoscíveis e incognoscíveis. Para Peirce, dar uma opinião sobre real significa dizer que o real é cognoscível, de tal maneira que a única distinção que se pode fazer sobre a realidade é o que já se conhece e o que se pode conhecer infinitamente, ao longo do tempo. Conforme Peirce, até mesmo dizer que há coisas em si incognoscíveis é dar uma opinião semanticamente consistente e verdadeira sobre as coisas-em-si. Deste modo, a possibilidade de dar uma opinião sobre o real responde como a experiência é válida e possível .
Para Peirce, uma vez que a opinião representa a essência do conhecimento, é sobre ela que se pode conferir validade ao saber e o agir com sentido enquanto tal. Não obstante, essa opinião não pode ser a opinião de uma única pessoa, ou de uma consciência em geral em sentido kantiano, mas deve ser a última opinião que se alcança ao longo do tempo por todos os membros da comunidade indefinita de investigadores, sob a reserva do princípio de falibilismo. E, uma vez que essa opinião é dada na comunidade indefinida de investigadores, é exigido por parte dos seus membros um certo engajamento ético, aonde cada investigador tem necessariamente de se despojar de seus interesses, inclusive seus interesses existenciários (em sentido kierkgaardiano) pela salvação de sua alma. Sendo assim, diante de tudo isso, pode se dizer que Peirce elimina os conceitos de coisa-em-si incognoscível, de aparência e mera ilusão e também, com o seu socialismo ético, a superação da distinção entre filosofia teórica e prática .

3. Conclusão.

Peirce, ao mostrar que a experiência é possível graças a capacidade humana de opinar, supera dessa maneira tanto o solipsismo metodológico da corrente da filosofia clássica transcendental de cunho kantiano, quanto a teoria analítica dos filósofos analíticos da primeira fase. Ao fazer a superação do primeiro, ele resolve o problema entre pensamento e linguagem, afirmando que não há conhecimento sem a mediação lingüística – não há “verdades” auto-evidentes e auto-intuitivas. Ao superar o segundo, ele coloca em cheque aquilo que a reviravolta lingüístico-pragmática colocou bem depois dele, a de que a análise sintático-semântica da linguagem é insuficiente para validar os nossos conhecimentos, pois é preciso analisar a linguagem em todas as suas dimensões: sintática, semântica e também pragmática.
Não obstante, o seu maior mérito consiste, apesar de sua limitação científica , deixar por conta de uma comunidade de investigação a questão acerca do sentido de nossos saberes e de nossas ações, e não por conta de uma “consciência em geral” ou por conta de “teorias sobre coisas ou estado de coisas”. Fazendo isso, ele deixa por conta de um “nós” científico , o qual Apel utilizará mais tarde para a realização de uma filosofia que tem como princípio não o “eu penso”, mas sim o “nós pensamos, nós argumentamos, nós raciocinamos.”

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.

APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia I – Introdução, 2000
______________ Transformação da Filosofia II – De Kant a Peirce: A transformação semiótica da lógica transcendental, 2000.
______________ El camino del pensamiento de Charles S. Peirce, 1997
PEIRCE, Charles, S. Semiótica – Ícone, Índice e Símbolo, 1995
RUEDA, Luis Sáez. Apriori de la facticidad y apriori de la idealizaçion – Opacidad y transparência. Entrevista com K. –O. Apel, In: FERNÁNDEZ, Domingo Blanco. (org. Et. al.) Discurso y realidad, em debate com K. –O. Apel, 1994
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Correntes fundamentais da ética contemporânea, 2001.
DELACAMPAGNE, Chiristian. História da Filosofia no séc. XX, 1997, p. 18-19.

SILVA, Glauber da Rocha. O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem em Karl-Otto Apel, 2007, p. 29.

O problema.

O problema da fundamentação última para as ciências e para a filosofia é um problema constante no cenário filosófico. Na Grécia Antiga, Platão o resolveu com o seu princípio não-condicional, fundamentado nas idéias; Aristóteles, a sua vez, com o seu princípio de não-contradição, embasado nos juízos. Na Era medieval, surgiram novas propostas para a fundamentação do saber, seguindo uma via diferente, a saber, da lógica: Leibiniz, com o seu calculus rationatior; e Locke, com a sua lingua caharacterisitica.

Na Era moderna, Descartes propôs o seu “ergo cogito”; Kant, a sua “consciência em geral”, e Husserl, a “evidência fenomênica”. Já os lógicos da linguagem, reatando com os medievais Leibiniz e Locke, proporam uma linguagem ideal e exata como fundamentação última, e os que vieram depois deles, os pragmáticos, a análise pragmática dos jogos de linguagem. Hoje, na contemporaneidade, o que prevalece é a lógica científica, quando se pretende uma fundamentação para o nosso saber. Nesta perspectiva, estão os racionalistas críticos como Karl- Popper; como também os seguidores da “máxima pragmática” da pesquisa de Charles S. Peirce, na qual Apel se encontra, e entre outros.

Não obstante, no cenário filosófico atual, é praticamente unânime de que a busca por uma fundamentação última do pensar e do agir humanos tornou-se sem sentido, ou, na melhor das hipóteses, algo impossível. A argumentação regente para esse discernimento se encontra num único fator: o fracasso da razão. Pois, ficou claro para os pós-modernos que a razão, enquanto “tribunal”, não possui as condições de possibilidade e de validade para a universalização do saber e do agir por dois motivos: 1°) a descoberta de que o método dedutivo do raciocínio leva, necessariamente, num regresso ao infinito[1], e 2°) a atual perspectiva, fundida definitivamente com Heidegger, de que a razão humana é finita, limitada, contigente e histórica.

Para Apel, no entanto, o principal sentido da filosofia é buscar pelas razões últimas do pensar e do agir humano, de tal modo que ela deve refletir criticamente os resultados parciais das ciências e consequentemente, fazê-las com que reflitam sobre as suas próprias conclusões. Filosofia é, para Apel, aquela que pergunta pelas condições de possibilidade e de validade do pensar e do agir humanos em geral – e dessa maneira, ele permanece na tradição kantiana. Nesta perspectiva, o problema pode ser colocado da seguinte maneira: é possível uma fundamentação última?

É com a intenção de explicar qual é a resposta de Apel para esta delicada e inquietante interrogação que o fio condutor deste artigo seguirá, bem como a proposta filosófica apeliana, que tem provocado muita polêmica no cenário filosófico atual.

Horizontes para a resolução do problema: “o jogo de linguagem transcendental.”

Apel compreende que de todas as filosofias atuais, a filosofia da linguagem acabou mesmo assumindo a função reflexiva da crítica cognitiva. Após este levantamento, Apel pergunta se a filosofia da linguagem deve então assumir a função de prima philosophia. Neste contexto, Apel se confronta com a “linguistc-turn”, a qual inicia-se com o “giro” lingüístico, passa pela “reviravolta” lingüístico pragmática, e atinge a filosofia lingüístico-hermenêutica. Ao fim desta confrontação, Apel, colocando-se “contra” e a “favor” para poder ir “para além” destas correntes de pensamento, dá o seu posicionamento e propõe uma proposta filosófica inédita, a qual ele nomeia de “pragmática transcendental” e que está fundamentada no conceito transcendental-hermenêutico de linguagem.

Antes, porém, de discorrer sobre a proposta de Apel, vejo a necessidade de fazer um breve inventário da “lingüístic-turn”. Até pouco tempo, a linguagem, desde os gregos antigos até os filósofos modernos, sempre representou um problema secundário no cenário filosófico, e seu conceito, até mesmo com o “giro” lingüistico, ficou reduzido à sua função designativa-instrumental. A origem do conceito designativo de linguagem se deve sobretudo à Platão, e em sua obra o “Crátilo”, ele fixa e determina a linguagem enquanto tradução do pensamento. Pois se Platão define o pensamento como o “diálogo silencioso que a alma sustenta consigo mesmo”, isto é, o pensamento enquanto uma linguagem interna, ele rompe com esta definição de pensamento em favor do vislumbramento das idéias eternas e imutáveis, que são, a seu ver, entidades extra e supralingüísticas. A idéia, portanto, assume uma posição primeira e última no processo do conhecimento.

A visão de Crátilo acerca da linguagem influenciou toda a filosofia da linguagem; a qual só pôde ser superada pela “reviravolta” lingüístico pragmática. Isto porque no “giro” lingüístico, que antecede e prepara o caminho para a “reviravolta” lingüístico-pragmática, ainda está profundamente marcado o conceito funcional e instrumentalista da linguagem. Partindo do ideal proposto sobretudo pelos medievais Leibiniz e Lock, que esperavam resolver todos os problemas e mal-entendidos nas ciência e na filosofia por meio de um calculus rationatior (Leibiniz) ou por meio de uma lingua characterística (Locke), a filosofia analítica moderna, responsável pelo “giro”, esperava também resolver todos os problemas nas ciências e na filosofia através de uma linguagem ideal, exata[2].

A linguagem, enquanto um instrumento para a resolução dos problemas científicos e filosóficos, foi, na “reviravolta” lingüístico-pragmática, contestada. Pode-se dizer que Charles Morris foi um dos primeiros a levantar uma crítica à filosofia analítica moderna, ao afirmar que a linguagem científica, a linguagem ideal, exata, está, de antemão, fundamentada na linguagem comum. É o seu ponto de partida. Com isso, ele discorda de Carnap que a dimensão pragmática da linguagem é problema para uma disciplina empírica e confere relevância filosófica ao “uso” lingüístico. O segundo Wittgenstein, na mesma perspectiva, vai então elaborar a sua teoria dos “jogos de linguagem” e prova de uma vez por todas que o sentido de algo depende de seu uso, principalmente de seu contexto[3].

A reviravolta lingüístico-pragmática, para Apel, realmente contribuiu em muito para a superação do conceito designativo de linguagem. No entanto, da mesma maneira que ocorreu no “giro” lingüístico, ela não responde sobre as condições de possibilidades lingüísticas de nossa cognição. No primeiro Wittgenstein, por exemplo, ainda que ele parte do pressuposto de que a lógica da linguagem é transcendental, que ela é a condição de possibilidade lingüística da cognição, ao mesmo tempo ele declara impossível refletir sobre a linguagem, pois, não se pode falar sobre a forma lógica da linguagem, ela exibe, aponta para ela[4].

No segundo Wittgenstein, ainda que ele parte do pressuposto de que o jogo de linguagem é a condição de possibilidade para uma pré-intelecção do mundo, ele, não obstante, não explica como isso é possível[5]. No mais, o segundo Wittgenstein não leva em conta o anseio universal sobre as condições lingüísticas da cognição, mas propõe que a filosofia da linguagem tenha um caráter mais prático e funcional que teórico: ele propõe que a filosofia seja muito mais uma terapêutica, a fim de mostrar que os problemas filosóficos não passam de problemas surgidos da gramática superficial.

Para Apel, caso se leve em conta o anseio universal sobre as condições de possibilidade e de validade lingüísticas da cognição e do agir com sentido, tal como fizerem os gregos antigos, a filosofia, caso tenciona apropriar-se, de uma maneira consciente, de seu nível efetivo de reflexão, renovando com isso o asseguramento crítico do próprio método e do próprio anseio de validação, tal como exigiram Descartes, Hegel e Husserl, então, a filosofia da linguagem, no ver de Apel, está diante da seguinte questão:

Que jogo de linguagem põe a filosofia em condições de refletir sobre a relação entre linguagem e mundo, mas, além disso, de refletir sobre o fato de que ela reflete sobre a relação entre linguagem e mundo com a própria linguagem?[6]

Apel não encontrou uma resposta satisfatória na filosofia lingüístico-hermêutica, apesar desta desenvolver um conceito de linguagem enquanto consciência. Isto porque a hermenêutica filosófica se preocupa muito mais com o sentido das verdades que a própria verdade. Ela é pós-moderna, uma vez que a pergunta pela verdade, algo característico da modernidade, não faz mais sentido. Deste modo, Apel compreende que somente o jogo de linguagem de uma filosofia de cunho kantiano, transcendental, é capaz de refletir sobre as condições de possibilidade e de validade lingüística da nossa cognição. A este jogo de linguagem Apel denomina de “o jogo de linguagem transcendental”.

Resolução do problema: a transformação da filosofia.

Para Apel, a grande conquista do “objetivismo” lingüístico da “guinada” lingüística, bem como também a conquista do pluralismo dos jogos de linguagem da “reviravolta” lingüístico-pragmática, é a superação do solipsismo metódico. De acordo com o método solipsista, próprio dos pensadores modernos que se debruçaram sobre a consciência, “um único indivíduo é capaz de conhecer a verdade, de fazer ciência e validar seus próprios conhecimentos”. E vão mais longe: com o método solipsista, os pensadores acreditam na possibilidade do sujeito transcendental poder refletir para além das amarras da linguagem e da tradição.

Ora, para Apel, a filosofia analítica moderna, bem como as filosofias da cultura, valida cientificamente um fenômeno, que: “em princípio, um único indivíduo e uma única vez não pode pensar ‘algo como algo’ a partir das conquistas de sua própria consciência”[7]. Deste modo, a filosofia transcendental de cunho kantiano deve ser transformada. Ela deve considerar o jogo público de linguagem em que está fundamentada, e abandonar de vez o pensar solitário, próprio dos solipsistas metódicos – é neste sentido que Apel compreende que a filosofia precisa ser transformada.

Apel, caminhando nesta perspectiva, propõe então uma possível transformação da filosofia. Para que tal empresa possua fundamentos sólidos, Apel vai então buscar seus princípios fundamentais em três filosofias, basicamente: na filosofia do segundo Wittgenstein; na hermenêutica pós-existenciária, tal como a desenvolvida por Gadamer; e principalmente na filosofia do pensador pragmático norte-americano chamado Charles S. Peirce[8]. Para Apel, o primeiro passo para uma transformação da filosofia transcendental é considerar, junto com Wittgenstein, o caráter público dos jogos de linguagem. O segundo passo, nesse sentido, é fazer a substituição do “sujeito transcendental” kantiano pelo “ser-aí” histórico de Heidegger enquanto uma “comunidade de comunicação”. O terceiro passo, na perspectiva da semiótica peirciana, é deixar por conta da comunidade ilimitada de comunicação a solução quanto aos critérios e sentidos de validação do nosso saber e do nosso agir.

A partir de então, Apel pode desenvolver o conceito de comunidade de comunicação que, como tal, é a condição de possibilidade para a transformação da filosofia clássica transcendental. Este conceito, Apel divide em dois: a comunidade ideal de comunicação, que está pressuposta em toda e qualquer argumentação que não deixa de considerar o jogo publico de linguagem; e a comunidade real de comunicação, que precisa ser efetivada de acordo com as regras do jogo de linguagem da comunidade ideal de comunicação.

Para Apel, do principal postulado normativo implícito na comunidade ideal de comunicação pode-se tirar a seguinte afirmativa: a de que nós, seres humanos, como seres essencialmente lingüísticos, estamos condenados a nos entender entre nós quanto aos critérios de sentido e de validação para a nossa ação e a nossa cognição. Isto porque o fim último da linguagem é, para Apel, o acordo mútuo e o auto-acordo. É somente por meio do acordo mútuo que um determinado povo, por exemplo, pode dar sentido, nome e significado a algo enquanto algo, mesmo quando esse acordo é imposto pela força. Não obstante, é em favor dos direito iguais, e não a favor da força ou de uma vontade perversa de poder que se situa a proposta de Apel. Em razão disso, a proposta apeliana é a de que os acordos sejam feitos de maneira racional, ou seja, por meio do factum da razão de uma comunidade ilimitada de comunicação.

Não obstante, Apel tem um motivo muito convincente para tomar a razão como critério para o acordo mútuo na comunidade ilimitada de comunicação: esse motivo é o princípio de não-contradição performativa. Este princípio deve ser aceito como um princípio intranscedível para toda argumentação filosófica que queira ser sensata. Assim, quem argumenta, racionalmente e com sentido, não pode cair em contradição. Ele não pode negar o que afirma! Na compreensão de Apel, aquele que não deseja cair em contradição performativa precisa primeiramente evitar enunciados pragmaticamente inconsistentes, os quais, analisados sob a perspectiva da dupla estrutura dos atos lingüísticos, não podem servir como critério de auto-alcance reflexivo dos argumentos e de teorias filosóficas inteiras[9]. Dentre os enunciados pragmaticamente inconsistentes, Apel enumera cinco:

Assevero com isto que não existo; 2) Assevero com isto que não tenho nenhuma pretensão de sentido; 3) Assevero com isto que não tenho nenhuma pretensão de verdade; 4) Assevero com isto que não tenho nenhuma pretensão de veracidade; 5) Assevero aqui que o pensar com pretensão de validade não pressupõe nenhuma moral[10].

Com este princípio especificamente filosófico[11], o argumentante, ao argumentar, precisa portanto, reconhecer, de antemão, que “existe”; que há “ouvintes”; que quando “argumenta” tem pretensão de “sentido”, de “verdade”, de “veracidade”; e que pensar com “validade” pressupõe alguma “moral”. Dito de outro maneira: “todo aquele que argumenta deve pressupor, de antemão, a existência de uma comunidade de comunicação”; e que “todo aquele que deseja conhecer, precisa esperar de si mesmo e do outro, como sujeito do conhecimento, a verdade. E também, que precisa pressupor-se como instância crítica da reflexão validativa[12].

O próximo passo, nesse sentido, é a concretização do saber e do agir humanos com sentido na comunidade de comunicação real. Na comunidade de comunicação real, os argumentantes devem chegar à um acordo mútuo, por meio de um consenso, que, entretanto, pode ser falível, isto é, corrigível, melhorado. Para Apel, o que importa numa reconstrução crítica da filosofia clássica transcendental, sob à luz do conceito transcendental-hermenêutico de linguagem é a substituição da “síntese transcendental da apercepção kantinan, enquanto unidade da consciência objetual, pela “síntese transcendental da interpretação mediada pela linguagem – constituinte da validação pública da cognição – enquanto uma unidade do acordo mútuo quanto a alguma coisa em uma comunidade de comunicação.[13]

A síntese transcendental da interpretação é a unidade do acordo mútuo entre os argumentantes. Na comunidade ilimitada de comunicação, toda e qualquer síntese transcendental da interpretação, para alcançar validade, tem que ser “aprovada” por todos os argumentantes por meio do acordo mútuo. Por fim, essa síntese transcendental da interpretação, mesmo passando por todo esse processo cognitivo, não é um conhecimento absoluto, infalível, mas é, antes de tudo, falível, passível de correção e melhorismo por parte da comunidade ilimitada de comunicação. Deste modo, para alcançar a unidade da “síntese transcendental da interpretação”, Apel concilia a teoria consensual da verdade[14], falibilismo e fundamentação última[15].

Isto porque para Apel, o consenso último não é um critério da verdade sem a integração de todos os critérios pensáveis. Para ele, porquanto existir novos critérios é que pode por-se em jogo os consensos já concretos. Deste modo, cada consenso fático é sempre provisório. Na compreensão de Apel, estamos obrigados a questionar continuamente nossos consensos fáticos. Precisamente a idéia regulativa do consenso último, já não revogável, põe a função de dirigir metodicamente nossos processos de investigação, nossos procedimentos e métodos[16]. Ou seja: a idéia regulativa do consenso último coloca em questão até mesmo os métodos investigativos por parte dos argumentantes da comunidade ilimitada de comunicação.

Conclusão.

Apel resolve, portanto, o problema da fundamentação última demonstrando que a tentativa de uma fundamentação última não é uma tentativa de se postular princípios metafísicos religiosos. Não se cai, com o princípio de não-contradição performativa, num regresso ao infinito. Nem tão pouco se recorre à um ato de fé, para tomar uma decisão racional quanto a alguma coisa, como afirma K. Popper, com o seu realismo crítico[17].

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – De Kant a Peirce: a transformação semiótica da lógica transcendental, 2000.

_______________ Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000.

_______________ Estudios Éticos, 2004

_______________ Teoría de la verdad e ética de discurso – Falibilismo, teoria consensual de la verdad y fundamentacion ultima, 1998.

SILVA, Glauber da Rocha. O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem em Karl-Otto Apel, 2007, pp. 60-72.

CORTINA, Adela. Verdad e Responsabilidad, In: APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, 1998.

FERNÁNDEZ, Domingo Blanco. Discurso y realidad, em debate com K. –O. Apel, 1994



[1] O qual só se pode justificar pela fé (Popper) ou na apelação de um intelecto divino (Aristóteles e Tomás de Aquino) e portanto, toda busca de uma fundamentação última é uma tentativa metafísico-religiosa.

[2] Para Apel, isso se deu graças a ascensão da lógica simbólica moderna, que desde a Era Medieval vinha dando grande frutos. Na filosofia analítica moderna, o seu ponto alto foi atingido pelo primeiro Wittgenstein, com o seu atomismo lógico, e por Rudolf Carnap, com a sua teoria da sintaxe lógica. Tanto um quanto o outro, confiavam na análise sintático-semântica da linguagem para a elaboração de uma linguagem unívoca, capaz de garantir uma base sólida e segura para o saberes humanos enquanto tal. Desse modo, a “consciência”, que na Era Moderna representava a instância crítica para a validação do saber, cedeu lugar para a linguagem, que passou a ocupar a função da crítica cognitiva.

[3] Por outro lado, não se pode deixar despercebido o fato de que o próprio Charles Morris se fundamenta no filósofo pragmático norte-americano Charles S. Peirce. Este, muito antes do “giro” lingüístico, já havia chegado no ínterim de que a dimensão pragmática da linguagem é a condição de possibilidade para o saber humanos enquanto tal. Não obstante, por diversas razões, como por exemplo o anonimato de sua filosofia no mundo europeu, a filosofia da linguagem teve de esperar por muito tempo as grandiosas contribuições desse pensador solitário porém transformador. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – De Kant a Peirce: a transformação semiótica da lógica transcendental, 2000, p. 187.

[4] Diz Apel que a idéia central do Tratactus consiste em que a forma lógica da linguagem ideal e retratadora do mundo não pode ser construída de maneira arbitrária, mas reside, oculta, na linguagem cotidiana, como condição de possibilidade de toda construção. Uma vez que a forma lógica da linguagem é a condição transcendental de toda retratação lingüística do mundo, e com isto de todo discurso sobre o mundo, não pode haver, de acordo com Wittgenstein, nenhum discurso metalingüístico sobre a relação entre linguagem e mundo (isso levaria à troca de “relações internas” pertencentes à forma transcendental da linguagem e do mundo por “relações externas” entre coisas e estado de coisas de ocorrência intramundana). Segundo essa teoria, tanto são supérfluos a “teoria dos tipos” e a “hierarquia de metalinguagens”, quanto não se pode mais conceber verdadeiramente a reflexão sobre a linguagem em uma pragmática transcendental da comunicação – praticada pelo próprio Wittgenstein no Tratactus. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A comunidade de comunicação como pressuposto transcendental das ciências sociais, 2000, p. 249.

[5] APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000, p. 362-363.

[6] Idem, p. 370.

[7] Isso vem representar que, de acordo com as análises lingüístico-pragmática da linguagem, não se pode mais insistir, com Descartes e com Husserl, na idéia que se possa refletir por meio de uma autodeterminação radical no estilo do solipsismo metódico, onde quem reflete pode se desvincular do enredamento em meio à linguagem, ou em meio ao sistema cultural em que está entretecida. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000, p. 357.

[8] Ao fazer essa busca, Apel concorda e discorda em vários pontos de vistas das filosofias mencionadas, de tal maneira que ele vai “com” esses três, “contra” esses três, para poder ir para “além” desses três. Com Wittgenstein, quando este supera o conceito designativo de linguagem em favor dos múltiplos jogos de linguagem. Contra Wittgenstein quando este declara impossível uma linguagem particular. Para além de Wittgenstein em favor de um jogo de linguagem transcendental, e portanto, particular. Com Gadamer quando este substitui o sujeito transcendental kantiano pelo ser-aí histórico de Heidegger. Contra Gadamer quando este afirma que compreendemos uma tradição somente de uma maneira diferente. Para além de Gadamer a fim de que se possa chegar a uma compreensão melhor do passado. Com Peirce quando este propõe a comunidade indefinida de investigação como sujeito da interpretação de algo enquanto algo. Contra Peirce quando este extrapola o método científico como paradigma para a racionalização da realidade. E para além de Peirce em favor da emancipação filosófica – e não somente científica – da sociedade como um todo. Cf. SILVA, Glauber da Rocha. O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem em Karl-Otto Apel, 2007, pp. 60-72.

[9] APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, 2004, p. 21.

[10] APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, 2004, p. 21-22.

[11] Para Apel, a filosofia utiliza o método transcendental, ascede a enunciados universais, criticáveis e auto-corrigíveis, mas não falíveis, e recorre, como procedimento de comprovação, a contradição performativa ou contradição pragmática, que supõe uma contradição entre o que se diz e o que pragmaticamente se está supondo para que tenha sentido o que se diz. Este procedimento de comprovação, usado por Apel nestes termos e que constitui a chave da pragmática formal, é também assumido por Habermas, ainda que esse se mantém numa posição ambígua, que Apel crítica severamente. Habermas recorre a contradição performativa, mas também fala em ocasiões de comprovação empírica, enquanto que Apel mantém que o procedimento de comprovação é a contradição performativa e que sua aplicação conduz a uma fundamentação filosófica última, na medida em que os pressupostos pragmáticos transcendentais da argumentação são irreversíveis, ainda que auto-corrigíveis. Cf. CORTINA, Adela. Verdad e Responsabilidad, In: APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, 1998, p. 12.

[12] APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000, pp. 360-361.

[13]APEL, Karl-Otto Apel. Transformação da Filosofia II – O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem, 2000, p. 402. Diz Apel sobre a unicidade universal: “no sentido do que denominei ‘comunidade de comunicação’ ou ‘comunidade de interpretação’ ilimitada, que está pressuposta, mas ao mesmo tempo ainda por construir, Schewemmer escreve o seguinte: ‘A construção dessa condição comum é necessária tanto para o saber quanto para a construção do entendimento. Pois o que distingue saber e entendimento do mero ter em mente e da mera interpretação é justamente o fato de que em lugar da unicidade em geral que se constata entra em cena uma unicidade universal exigida, ou seja, a condição comum do ter em mente e do interpretar. Assim, a formulação do saber e da intelecção são as duas partes de uma discussão que almeja a formação de uma vontade clara: as partes teórica e hermenêutica da discussão prática”. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – O a priori da comunidade de comunicação e os fundamentos da ética, 2000, p.448.

[14] Deste modo, na filosofia por exemplo, a validação do a priori kantiano por meio de sua “síntese transcendental da apercepção”, ou até mesmo do a priori hursserliano de suas “proposições cromáticas”, só poderão ser válidas caso sejam elevadas à um “paradigma” do jogo de linguagem transcendental, pois só aí é que a evidência consciencial de cada um está transformada, por meio do acordo mútuo, em uma validação a priori de encuniados para nós, de tal forma que essa validação pode valer como um conhecimento obrigatório a priori no sentido de uma teoria consensual da verdade

[15] Apel, em seu texto “Fabilismo, teoria consensual da verdade e fundamentação última”, demonstra que esses três conceitos, ao contrário do que muitos filósofos pensam, como por exemplo os racionalistas críticos, não são incompatíveis entre si, mas se pressupõe e se exigem mutuamente. Para tanto, Apel demontra que o princípio metodológicamente relevante do falibilismo, pertecente a teoria do conhecimento e da ciência, não corresponde, como complementação metodológicamente relevante, uma teoria da verdade como correspondência, no sentido do realismo metafísico. E sim à uma teoria do consenso que se explica no sentido semântico-pragmático da verdade mediante a idéia reguladora de um acordo, ultimo e sobre o qual já não se discute mais, de uma comunidade ilimitada de investigadores. Cf. APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad e ética de discurso – Falibilismo, teoria consensual de la verdad y fundamentacion ultima, 1998, pp. 37-38.

[16] FERNÁNDEZ, Domingo Blanco. Discurso y realidad, em debate com K. –O. Apel, 1994, p. 267.

[17] Como este demonstrou, partir de uma dedução lógica é preciso “dogmatizar” a primeira premissa. É preciso “acreditar”, por exemplo, que “todos os homens são mortais” para se poder afirmar que “Sócrates”, uma vez sendo homem, também é “mortal”.

O Filósofo, o mito e Jesus Cristo

A Filosofia nasceu na Grécia Antiga, e quase todo mundo já deve saber disto. Começou enquanto uma crítica aos deuses do Olímpio, até chegaram ao monoteísmo. Para isso, precisaram matar Zeus, depois, convencerem-se de que a origem não estava nem na água, nem no fogo, nem no ar, nem muito menos no átomo, e sim no Ser Maior, Criador, Absoluto, e Universal.
Depois veio a era das religiões com deuses humanos. Nada do termo herói, ou Titãs, nomes dados aos semi-deuses. Mas Deus mesmo: Jesus Cristo, Maomé, Buda, Zoroastro e assim por diante. Os filósofos, como sempre, desconfiaram desta coisa de um homem ser Deus, ou de Deus tornar-se homem, e sugiram os ateus.
Não os ateus puros, que não acreditam na existência de um Criador Supremo, mas os ateus que não acreditam na possibilidade de Deus deixar de ser Deus para ser homem. Aqui entra Jesus Cristo, que se fez humano para salvar aqueles que acreditarem nele e deixar doido os filósofos e os teólogos que sabem valorizar a razão.
A Palavra de Deus, ou melhor, a Bíblia, começou a ser questionada tal como os livros de Homero. A tradição é incoerente, contraditória: se Deus diz que é o mesmo ontem, hoje e sempre no Antigo Testamento, agora Ele é outro no Novo Testamento, e de Vingativo e Justiceiro passou a ser Misericordioso, Manso e Humilde de Coração.
E aqui vou abrir um parênteses para falar o argumento daqueles que ainda acreditam na veracidade da Bíblia, nem que para isso a razão seja crucificada. Dizem eles: o Deus de Israel não era Justiceiro nem Vingativo, era Misericordioso, do contrário, não teria avisado o que ia fazer contra aqueles que lhe desobedeciam, enviando profetas e todo tipo de anjo para tentar evitar que a Fúria de Deus caísse sobre eles. Ou seja: Deus, por ser Misericordioso, avisa que se o homem não tomar cuidado, vai ser morto por Ele, Deus.
Uma vez contraditória, a Bíblia passou a ser questionada – e há até teólogos católicos que já não a usam mais como fundamento de suas crenças: o que faz acreditar em algo são os milagres, confirmando um dogma ou outro. Além do mais, a para-psicologia está aí, para provar que não existem demônios nem Espírito revelando coisas sobre o céu e a vida dos homens: Deus pode ser tudo, menos fofoqueiro.
Portanto, a via da demoniologia – excelente teoria para converter as pessoas – jutamente com a via dos carismas – outra grande prática convertedora – acabaram caindo em descrédito junto com a Bíblia. Restou apenas a ciência. E nem todas. Porque se a História afirma que o homem Jesus Cristo não existiu historicamente, ela ainda não deve ser aceita, uma vez que seus resultados parciais não se confirmam na prática: do contrário, não haveria tantos milagres no ambiente católico.
O Jesus histórico, segundo a História, não existiu, e o evangelho não passa de uma ficção, inclusive demasiadamente contraditória. Mas antes de entrar na história contada pelos evangelistas, vamos começar primeiramente pelo lado de fora, naquilo que os cristão acreditam como provas evidentes acerca da existência histórica de Jesus – para essa rápida demonstração, utilizei o texto “O mito do Jesus Histórico”, de Háyyim ben Yehoshu.
Para os cristãos, as evidências de que Jesus existiu podem ser encontradas em livros ou documentos não-cristãos como “Antiguidades Judaicas”, de Flávio Josefo; nos “Anais” de Tácito; nas cartas de Plínio, o Jovem, ao imperador Trajano; e no livro “As Vidas dos Imperadores”, de Suetônio. Entretanto, Háyyim ben Yehoshu demonstra que esses documentos não providenciam qualquer informação a respeito de Jesus.
Para os cristãos, no livro “Antiguidades Judaicas”, de Flávio Josefo, há duas passagens onde se faz referência a Jesus. O problema é que este documento possui duas versões: a cristã e a original. Na original, preservada pelos judeus, não há nada disto. Isto porque quando o livro “Antiguidades Judaicas” foi detido pelos cristãos, eles acrescentaram estas duas passagens, forçando a evidência histórica de Jesus. Portanto, a versão cristã é uma fraude.
Admitindo-se esta prova comprovada, o cristão pode por sua vez apelar para os “Anais” de Tácito. Nesta obra, o autor relata como Nero culpou os cristãos pelo incêndio de Roma, e conseqüentemente, falou que estes vinham de uma religião fundada por Christus. Contudo, o que ele falou foi baseado em crenças de outrem, ou seja: ele nunca viu Jesus Cristo. Além do mais, Tácito falava dos deuses como se eles realmente existissem, algo que levanta a suspeita de os cristãos aproveitaram de má-fé a inocência deste historiador.
Outro documento onde os cristãos depositam a sua crença de que Jesus existiu de fato é a carta de Plínio, o Jovem, ao imperador Trajano, onde ele menciona que certos cristãos maldisseram Cristo. Ora, o que não quer dizer que Plínio conheceu ou viu ou ficou sabendo da existência de um Jesus real, histórico, até mesmo porque tal carta foi escrita um século depois da suposta crucificação de Jesus: o que ele se referiu foi aos cristãos, e não a Jesus.
E os cristãos podem então apelar para o livro “As Vidas dos Imperadores”, de Suetônio, onde ele relatou que o imperador Cláudio expulsou de Roma os judeus seguidores de Chrestus. Suetônio não se refere proprimamente ao Cristo, e sim à um Chrestus que estava em Roma, onde Jesus provavelmente nunca pisou os pés. Assim sendo, com todas essas demonstrações, fica descartada a prova da existência de Jesus por meio de textos não-cristãos, pois, tudo o que se escreve nos séculos seguintes, parte apenas da crença de que ele existiu, a partir dos evangelhos, e não de um registro histórico.
Agora, podemos falar do cristianismo a partir de dentro para fora.
Talvez o maior argumento de que a religião cristã é uma farsa está no motivo em que Jesus foi condenado. Segundo a tradição, Jesus foi morto e crucificado justamente por ter blasfemado, dizendo que era o Filho de Deus. Num trabalho de pesquisa acerca das verdadeiras origens históricas do cristianismo feita por David Donnini, ela fala de com um autor alemão, o Dr. Weddig Fricke, demonstrou a impossibilidade, através da lei antiga dos Judeus, de Jesus ter sido julgado da maneira em que foi descrita nos Evangelhos, a começar de que era muito comum, naquele tempo, ser chamado e declarar-se “filho de Deus.”
Conforme o Dr. Weddig Fricke, a expressão “filho de Deus”, além de ser muito comum, poderia ser usada para representar todos os seres humanos, pois, todos os Judeus, de acordo com a Tora, eram “filhos de Deus”. Havia também os casos em que tal título era usado para caracterizar um homem devoto ou um iniciado em alguma condição de santidade por meio de votos, tais como os “Nazaritas”. Além do mais, haviam as expressões hebraicas como “filho da verdade” para um homem honrado e verdadeiro, “filho da luz”, para quem era iluminado espiritualmente, “filho da escuridão”, e etc., e etc.
Por outro lado, só era realmente julgado o Judeu que pronunciasse o nome de Deus, ou seja: Jeová, visto que era e ainda é um significativo sacrilégio – somente o sumo Sacerdote no Dia da Reconciliação tinha a liberdade para pronunciar o nome Jeová. Em vista disto, todos procuravam sinônimos como “Pai”, “Senhor”, “Adonai”, Eloah” para referir-se à Jeová, e não são poucas as passagens que lembram Jesus falando do seu Pai que estás oculto no céu. Portanto, se os evangelhos fossem coerentes com a antiga lei Judia, deveria ser escrito desta maneira: e Jesus foi condenado por ter pronunciado o nome de Jeová, e não por dizer que era filho de Deus.
Outras falhas nos evangelhos se diz respeito à série de eventos no julgamento de Jesus. Ao contrário do que é descrito nos Evangelhos, as ações legais não podiam ser desenroladas numa casa privada como foi o caso de Jesus ao ser julgado na casa privada de Caifás, mas apenas na área do templo chamada de “Beth Din”, o assento do Grande Sinédrio, para ofensas capitais; também, as ações legais não podiam ser feitas nem às vésperas de feriados nem à noite, como foi feita contra Jesus, ao ser preso à noite por mais de 600 soldados romanos; uma sentença não podia ser proferida por meio de uma confissão extorquida, como dar a entender quando Jesus foi interrogado se era “filho de Deus”, e as sentenças de mortes só poderiam ser proferidas pelo menos 24 horas depois da interrogação.
Fora isto, os blasfemadores judeus eram julgados e mortos pelos judeus, e não pelos romanos, como aconteceu no caso Jesus. Aliás, os romanos quase não se importavam com os julgamentos judeus. Contudo, os Evangelhos mostram que os Judeus foram culpados pela morte de Deus, e isso, tratando-se de política, tem um efeito muito grande. Mas não vou entrar aqui, pelo menos agora, em questões políticas, nem dizer que aí foi a origem do anti-semitismo e do holocausto.
Antes, retornarei ao assunto do início, que é a questão do mito. Tudo leva a crer que o cristianismo, na verdade, é mitológico. E como todos os mitos têm as suas razões de ser, seja elas inocentes ou não. No caso de Jesus, a razão tem muito mais um cunho político do que qualquer outro. E os filósofos estão aí, para desmistificar as crenças contraditórias em favor de um Deus mais coerente. Um Deus sem partidos, que apenas criou, e nada interfere na vida dos homens, a fim de que nós, seres humanos, possamos resolver nós mesmos os nossos problemas, seja ele financeiro, seja ele existencial, seja ele político, seja ele moral, ético e etc. e etc...
Já eu, enquanto filósofo, vou agora investigar os milagres...
Glauber da Rocha.

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