A questão da fundamentação última na contemporaneidade - uma leitura a Karl Otto Apel.
Postado por Glauber da Rocha às 18:12
O problema.
O problema da fundamentação última para as ciências e para a filosofia é um problema constante no cenário filosófico. Na Grécia Antiga, Platão o resolveu com o seu princípio não-condicional, fundamentado nas idéias; Aristóteles, a sua vez, com o seu princípio de não-contradição, embasado nos juízos. Na Era medieval, surgiram novas propostas para a fundamentação do saber, seguindo uma via diferente, a saber, da lógica: Leibiniz, com o seu calculus rationatior; e Locke, com a sua lingua caharacterisitica.
Na Era moderna, Descartes propôs o seu “ergo cogito”; Kant, a sua “consciência em geral”, e Husserl, a “evidência fenomênica”. Já os lógicos da linguagem, reatando com os medievais Leibiniz e Locke, proporam uma linguagem ideal e exata como fundamentação última, e os que vieram depois deles, os pragmáticos, a análise pragmática dos jogos de linguagem. Hoje, na contemporaneidade, o que prevalece é a lógica científica, quando se pretende uma fundamentação para o nosso saber. Nesta perspectiva, estão os racionalistas críticos como Karl- Popper; como também os seguidores da “máxima pragmática” da pesquisa de Charles S. Peirce, na qual Apel se encontra, e entre outros.
Não obstante, no cenário filosófico atual, é praticamente unânime de que a busca por uma fundamentação última do pensar e do agir humanos tornou-se sem sentido, ou, na melhor das hipóteses, algo impossível. A argumentação regente para esse discernimento se encontra num único fator: o fracasso da razão. Pois, ficou claro para os pós-modernos que a razão, enquanto “tribunal”, não possui as condições de possibilidade e de validade para a universalização do saber e do agir por dois motivos: 1°) a descoberta de que o método dedutivo do raciocínio leva, necessariamente, num regresso ao infinito[1], e 2°) a atual perspectiva, fundida definitivamente com Heidegger, de que a razão humana é finita, limitada, contigente e histórica.
Para Apel, no entanto, o principal sentido da filosofia é buscar pelas razões últimas do pensar e do agir humano, de tal modo que ela deve refletir criticamente os resultados parciais das ciências e consequentemente, fazê-las com que reflitam sobre as suas próprias conclusões. Filosofia é, para Apel, aquela que pergunta pelas condições de possibilidade e de validade do pensar e do agir humanos em geral – e dessa maneira, ele permanece na tradição kantiana. Nesta perspectiva, o problema pode ser colocado da seguinte maneira: é possível uma fundamentação última?
É com a intenção de explicar qual é a resposta de Apel para esta delicada e inquietante interrogação que o fio condutor deste artigo seguirá, bem como a proposta filosófica apeliana, que tem provocado muita polêmica no cenário filosófico atual.
Horizontes para a resolução do problema: “o jogo de linguagem transcendental.”
Apel compreende que de todas as filosofias atuais, a filosofia da linguagem acabou mesmo assumindo a função reflexiva da crítica cognitiva. Após este levantamento, Apel pergunta se a filosofia da linguagem deve então assumir a função de prima philosophia. Neste contexto, Apel se confronta com a “linguistc-turn”, a qual inicia-se com o “giro” lingüístico, passa pela “reviravolta” lingüístico pragmática, e atinge a filosofia lingüístico-hermenêutica. Ao fim desta confrontação, Apel, colocando-se “contra” e a “favor” para poder ir “para além” destas correntes de pensamento, dá o seu posicionamento e propõe uma proposta filosófica inédita, a qual ele nomeia de “pragmática transcendental” e que está fundamentada no conceito transcendental-hermenêutico de linguagem.
Antes, porém, de discorrer sobre a proposta de Apel, vejo a necessidade de fazer um breve inventário da “lingüístic-turn”. Até pouco tempo, a linguagem, desde os gregos antigos até os filósofos modernos, sempre representou um problema secundário no cenário filosófico, e seu conceito, até mesmo com o “giro” lingüistico, ficou reduzido à sua função designativa-instrumental. A origem do conceito designativo de linguagem se deve sobretudo à Platão, e em sua obra o “Crátilo”, ele fixa e determina a linguagem enquanto tradução do pensamento. Pois se Platão define o pensamento como o “diálogo silencioso que a alma sustenta consigo mesmo”, isto é, o pensamento enquanto uma linguagem interna, ele rompe com esta definição de pensamento em favor do vislumbramento das idéias eternas e imutáveis, que são, a seu ver, entidades extra e supralingüísticas. A idéia, portanto, assume uma posição primeira e última no processo do conhecimento.
A visão de Crátilo acerca da linguagem influenciou toda a filosofia da linguagem; a qual só pôde ser superada pela “reviravolta” lingüístico pragmática. Isto porque no “giro” lingüístico, que antecede e prepara o caminho para a “reviravolta” lingüístico-pragmática, ainda está profundamente marcado o conceito funcional e instrumentalista da linguagem. Partindo do ideal proposto sobretudo pelos medievais Leibiniz e Lock, que esperavam resolver todos os problemas e mal-entendidos nas ciência e na filosofia por meio de um calculus rationatior (Leibiniz) ou por meio de uma lingua characterística (Locke), a filosofia analítica moderna, responsável pelo “giro”, esperava também resolver todos os problemas nas ciências e na filosofia através de uma linguagem ideal, exata[2].
A linguagem, enquanto um instrumento para a resolução dos problemas científicos e filosóficos, foi, na “reviravolta” lingüístico-pragmática, contestada. Pode-se dizer que Charles Morris foi um dos primeiros a levantar uma crítica à filosofia analítica moderna, ao afirmar que a linguagem científica, a linguagem ideal, exata, está, de antemão, fundamentada na linguagem comum. É o seu ponto de partida. Com isso, ele discorda de Carnap que a dimensão pragmática da linguagem é problema para uma disciplina empírica e confere relevância filosófica ao “uso” lingüístico. O segundo Wittgenstein, na mesma perspectiva, vai então elaborar a sua teoria dos “jogos de linguagem” e prova de uma vez por todas que o sentido de algo depende de seu uso, principalmente de seu contexto[3].
A reviravolta lingüístico-pragmática, para Apel, realmente contribuiu em muito para a superação do conceito designativo de linguagem. No entanto, da mesma maneira que ocorreu no “giro” lingüístico, ela não responde sobre as condições de possibilidades lingüísticas de nossa cognição. No primeiro Wittgenstein, por exemplo, ainda que ele parte do pressuposto de que a lógica da linguagem é transcendental, que ela é a condição de possibilidade lingüística da cognição, ao mesmo tempo ele declara impossível refletir sobre a linguagem, pois, não se pode falar sobre a forma lógica da linguagem, ela exibe, aponta para ela[4].
No segundo Wittgenstein, ainda que ele parte do pressuposto de que o jogo de linguagem é a condição de possibilidade para uma pré-intelecção do mundo, ele, não obstante, não explica como isso é possível[5]. No mais, o segundo Wittgenstein não leva em conta o anseio universal sobre as condições lingüísticas da cognição, mas propõe que a filosofia da linguagem tenha um caráter mais prático e funcional que teórico: ele propõe que a filosofia seja muito mais uma terapêutica, a fim de mostrar que os problemas filosóficos não passam de problemas surgidos da gramática superficial.
Para Apel, caso se leve em conta o anseio universal sobre as condições de possibilidade e de validade lingüísticas da cognição e do agir com sentido, tal como fizerem os gregos antigos, a filosofia, caso tenciona apropriar-se, de uma maneira consciente, de seu nível efetivo de reflexão, renovando com isso o asseguramento crítico do próprio método e do próprio anseio de validação, tal como exigiram Descartes, Hegel e Husserl, então, a filosofia da linguagem, no ver de Apel, está diante da seguinte questão:
Que jogo de linguagem põe a filosofia em condições de refletir sobre a relação entre linguagem e mundo, mas, além disso, de refletir sobre o fato de que ela reflete sobre a relação entre linguagem e mundo com a própria linguagem?[6]
Apel não encontrou uma resposta satisfatória na filosofia lingüístico-hermêutica, apesar desta desenvolver um conceito de linguagem enquanto consciência. Isto porque a hermenêutica filosófica se preocupa muito mais com o sentido das verdades que a própria verdade. Ela é pós-moderna, uma vez que a pergunta pela verdade, algo característico da modernidade, não faz mais sentido. Deste modo, Apel compreende que somente o jogo de linguagem de uma filosofia de cunho kantiano, transcendental, é capaz de refletir sobre as condições de possibilidade e de validade lingüística da nossa cognição. A este jogo de linguagem Apel denomina de “o jogo de linguagem transcendental”.
Resolução do problema: a transformação da filosofia.
Para Apel, a grande conquista do “objetivismo” lingüístico da “guinada” lingüística, bem como também a conquista do pluralismo dos jogos de linguagem da “reviravolta” lingüístico-pragmática, é a superação do solipsismo metódico. De acordo com o método solipsista, próprio dos pensadores modernos que se debruçaram sobre a consciência, “um único indivíduo é capaz de conhecer a verdade, de fazer ciência e validar seus próprios conhecimentos”. E vão mais longe: com o método solipsista, os pensadores acreditam na possibilidade do sujeito transcendental poder refletir para além das amarras da linguagem e da tradição.
Ora, para Apel, a filosofia analítica moderna, bem como as filosofias da cultura, valida cientificamente um fenômeno, que: “em princípio, um único indivíduo e uma única vez não pode pensar ‘algo como algo’ a partir das conquistas de sua própria consciência”[7]. Deste modo, a filosofia transcendental de cunho kantiano deve ser transformada. Ela deve considerar o jogo público de linguagem em que está fundamentada, e abandonar de vez o pensar solitário, próprio dos solipsistas metódicos – é neste sentido que Apel compreende que a filosofia precisa ser transformada.
Apel, caminhando nesta perspectiva, propõe então uma possível transformação da filosofia. Para que tal empresa possua fundamentos sólidos, Apel vai então buscar seus princípios fundamentais em três filosofias, basicamente: na filosofia do segundo Wittgenstein; na hermenêutica pós-existenciária, tal como a desenvolvida por Gadamer; e principalmente na filosofia do pensador pragmático norte-americano chamado Charles S. Peirce[8]. Para Apel, o primeiro passo para uma transformação da filosofia transcendental é considerar, junto com Wittgenstein, o caráter público dos jogos de linguagem. O segundo passo, nesse sentido, é fazer a substituição do “sujeito transcendental” kantiano pelo “ser-aí” histórico de Heidegger enquanto uma “comunidade de comunicação”. O terceiro passo, na perspectiva da semiótica peirciana, é deixar por conta da comunidade ilimitada de comunicação a solução quanto aos critérios e sentidos de validação do nosso saber e do nosso agir.
A partir de então, Apel pode desenvolver o conceito de comunidade de comunicação que, como tal, é a condição de possibilidade para a transformação da filosofia clássica transcendental. Este conceito, Apel divide em dois: a comunidade ideal de comunicação, que está pressuposta em toda e qualquer argumentação que não deixa de considerar o jogo publico de linguagem; e a comunidade real de comunicação, que precisa ser efetivada de acordo com as regras do jogo de linguagem da comunidade ideal de comunicação.
Para Apel, do principal postulado normativo implícito na comunidade ideal de comunicação pode-se tirar a seguinte afirmativa: a de que nós, seres humanos, como seres essencialmente lingüísticos, estamos condenados a nos entender entre nós quanto aos critérios de sentido e de validação para a nossa ação e a nossa cognição. Isto porque o fim último da linguagem é, para Apel, o acordo mútuo e o auto-acordo. É somente por meio do acordo mútuo que um determinado povo, por exemplo, pode dar sentido, nome e significado a algo enquanto algo, mesmo quando esse acordo é imposto pela força. Não obstante, é em favor dos direito iguais, e não a favor da força ou de uma vontade perversa de poder que se situa a proposta de Apel. Em razão disso, a proposta apeliana é a de que os acordos sejam feitos de maneira racional, ou seja, por meio do factum da razão de uma comunidade ilimitada de comunicação.
Não obstante, Apel tem um motivo muito convincente para tomar a razão como critério para o acordo mútuo na comunidade ilimitada de comunicação: esse motivo é o princípio de não-contradição performativa. Este princípio deve ser aceito como um princípio intranscedível para toda argumentação filosófica que queira ser sensata. Assim, quem argumenta, racionalmente e com sentido, não pode cair em contradição. Ele não pode negar o que afirma! Na compreensão de Apel, aquele que não deseja cair em contradição performativa precisa primeiramente evitar enunciados pragmaticamente inconsistentes, os quais, analisados sob a perspectiva da dupla estrutura dos atos lingüísticos, não podem servir como critério de auto-alcance reflexivo dos argumentos e de teorias filosóficas inteiras[9]. Dentre os enunciados pragmaticamente inconsistentes, Apel enumera cinco:
Assevero com isto que não existo; 2) Assevero com isto que não tenho nenhuma pretensão de sentido; 3) Assevero com isto que não tenho nenhuma pretensão de verdade; 4) Assevero com isto que não tenho nenhuma pretensão de veracidade; 5) Assevero aqui que o pensar com pretensão de validade não pressupõe nenhuma moral[10].
Com este princípio especificamente filosófico[11], o argumentante, ao argumentar, precisa portanto, reconhecer, de antemão, que “existe”; que há “ouvintes”; que quando “argumenta” tem pretensão de “sentido”, de “verdade”, de “veracidade”; e que pensar com “validade” pressupõe alguma “moral”. Dito de outro maneira: “todo aquele que argumenta deve pressupor, de antemão, a existência de uma comunidade de comunicação”; e que “todo aquele que deseja conhecer, precisa esperar de si mesmo e do outro, como sujeito do conhecimento, a verdade. E também, que precisa pressupor-se como instância crítica da reflexão validativa[12].
O próximo passo, nesse sentido, é a concretização do saber e do agir humanos com sentido na comunidade de comunicação real. Na comunidade de comunicação real, os argumentantes devem chegar à um acordo mútuo, por meio de um consenso, que, entretanto, pode ser falível, isto é, corrigível, melhorado. Para Apel, o que importa numa reconstrução crítica da filosofia clássica transcendental, sob à luz do conceito transcendental-hermenêutico de linguagem é a substituição da “síntese transcendental da apercepção kantinan, enquanto unidade da consciência objetual, pela “síntese transcendental da interpretação mediada pela linguagem – constituinte da validação pública da cognição – enquanto uma unidade do acordo mútuo quanto a alguma coisa em uma comunidade de comunicação.[13]
A síntese transcendental da interpretação é a unidade do acordo mútuo entre os argumentantes. Na comunidade ilimitada de comunicação, toda e qualquer síntese transcendental da interpretação, para alcançar validade, tem que ser “aprovada” por todos os argumentantes por meio do acordo mútuo. Por fim, essa síntese transcendental da interpretação, mesmo passando por todo esse processo cognitivo, não é um conhecimento absoluto, infalível, mas é, antes de tudo, falível, passível de correção e melhorismo por parte da comunidade ilimitada de comunicação. Deste modo, para alcançar a unidade da “síntese transcendental da interpretação”, Apel concilia a teoria consensual da verdade[14], falibilismo e fundamentação última[15].
Isto porque para Apel, o consenso último não é um critério da verdade sem a integração de todos os critérios pensáveis. Para ele, porquanto existir novos critérios é que pode por-se em jogo os consensos já concretos. Deste modo, cada consenso fático é sempre provisório. Na compreensão de Apel, estamos obrigados a questionar continuamente nossos consensos fáticos. Precisamente a idéia regulativa do consenso último, já não revogável, põe a função de dirigir metodicamente nossos processos de investigação, nossos procedimentos e métodos[16]. Ou seja: a idéia regulativa do consenso último coloca em questão até mesmo os métodos investigativos por parte dos argumentantes da comunidade ilimitada de comunicação.
Conclusão.
Apel resolve, portanto, o problema da fundamentação última demonstrando que a tentativa de uma fundamentação última não é uma tentativa de se postular princípios metafísicos religiosos. Não se cai, com o princípio de não-contradição performativa, num regresso ao infinito. Nem tão pouco se recorre à um ato de fé, para tomar uma decisão racional quanto a alguma coisa, como afirma K. Popper, com o seu realismo crítico[17].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – De Kant a Peirce: a transformação semiótica da lógica transcendental, 2000.
_______________ Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000.
_______________ Estudios Éticos, 2004
_______________ Teoría de la verdad e ética de discurso – Falibilismo, teoria consensual de la verdad y fundamentacion ultima, 1998.
SILVA, Glauber da Rocha. O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem em Karl-Otto Apel, 2007, pp. 60-72.
CORTINA, Adela. Verdad e Responsabilidad, In: APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, 1998.
FERNÁNDEZ, Domingo Blanco. Discurso y realidad, em debate com K. –O. Apel, 1994
[1] O qual só se pode justificar pela fé (Popper) ou na apelação de um intelecto divino (Aristóteles e Tomás de Aquino) e portanto, toda busca de uma fundamentação última é uma tentativa metafísico-religiosa.
[2] Para Apel, isso se deu graças a ascensão da lógica simbólica moderna, que desde a Era Medieval vinha dando grande frutos. Na filosofia analítica moderna, o seu ponto alto foi atingido pelo primeiro Wittgenstein, com o seu atomismo lógico, e por Rudolf Carnap, com a sua teoria da sintaxe lógica. Tanto um quanto o outro, confiavam na análise sintático-semântica da linguagem para a elaboração de uma linguagem unívoca, capaz de garantir uma base sólida e segura para o saberes humanos enquanto tal. Desse modo, a “consciência”, que na Era Moderna representava a instância crítica para a validação do saber, cedeu lugar para a linguagem, que passou a ocupar a função da crítica cognitiva.
[3] Por outro lado, não se pode deixar despercebido o fato de que o próprio Charles Morris se fundamenta no filósofo pragmático norte-americano Charles S. Peirce. Este, muito antes do “giro” lingüístico, já havia chegado no ínterim de que a dimensão pragmática da linguagem é a condição de possibilidade para o saber humanos enquanto tal. Não obstante, por diversas razões, como por exemplo o anonimato de sua filosofia no mundo europeu, a filosofia da linguagem teve de esperar por muito tempo as grandiosas contribuições desse pensador solitário porém transformador. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – De Kant a Peirce: a transformação semiótica da lógica transcendental, 2000, p. 187.
[4] Diz Apel que a idéia central do Tratactus consiste em que a forma lógica da linguagem ideal e retratadora do mundo não pode ser construída de maneira arbitrária, mas reside, oculta, na linguagem cotidiana, como condição de possibilidade de toda construção. Uma vez que a forma lógica da linguagem é a condição transcendental de toda retratação lingüística do mundo, e com isto de todo discurso sobre o mundo, não pode haver, de acordo com Wittgenstein, nenhum discurso metalingüístico sobre a relação entre linguagem e mundo (isso levaria à troca de “relações internas” pertencentes à forma transcendental da linguagem e do mundo por “relações externas” entre coisas e estado de coisas de ocorrência intramundana). Segundo essa teoria, tanto são supérfluos a “teoria dos tipos” e a “hierarquia de metalinguagens”, quanto não se pode mais conceber verdadeiramente a reflexão sobre a linguagem em uma pragmática transcendental da comunicação – praticada pelo próprio Wittgenstein no Tratactus. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A comunidade de comunicação como pressuposto transcendental das ciências sociais, 2000, p. 249.
[5] APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000, p. 362-363.
[6] Idem, p. 370.
[7] Isso vem representar que, de acordo com as análises lingüístico-pragmática da linguagem, não se pode mais insistir, com Descartes e com Husserl, na idéia que se possa refletir por meio de uma autodeterminação radical no estilo do solipsismo metódico, onde quem reflete pode se desvincular do enredamento em meio à linguagem, ou em meio ao sistema cultural em que está entretecida. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000, p. 357.
[8] Ao fazer essa busca, Apel concorda e discorda em vários pontos de vistas das filosofias mencionadas, de tal maneira que ele vai “com” esses três, “contra” esses três, para poder ir para “além” desses três. Com Wittgenstein, quando este supera o conceito designativo de linguagem em favor dos múltiplos jogos de linguagem. Contra Wittgenstein quando este declara impossível uma linguagem particular. Para além de Wittgenstein em favor de um jogo de linguagem transcendental, e portanto, particular. Com Gadamer quando este substitui o sujeito transcendental kantiano pelo ser-aí histórico de Heidegger. Contra Gadamer quando este afirma que compreendemos uma tradição somente de uma maneira diferente. Para além de Gadamer a fim de que se possa chegar a uma compreensão melhor do passado. Com Peirce quando este propõe a comunidade indefinida de investigação como sujeito da interpretação de algo enquanto algo. Contra Peirce quando este extrapola o método científico como paradigma para a racionalização da realidade. E para além de Peirce em favor da emancipação filosófica – e não somente científica – da sociedade como um todo. Cf. SILVA, Glauber da Rocha. O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem em Karl-Otto Apel, 2007, pp. 60-72.
[9] APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, 2004, p. 21.
[10] APEL, Karl-Otto. Estudios Éticos, 2004, p. 21-22.
[11] Para Apel, a filosofia utiliza o método transcendental, ascede a enunciados universais, criticáveis e auto-corrigíveis, mas não falíveis, e recorre, como procedimento de comprovação, a contradição performativa ou contradição pragmática, que supõe uma contradição entre o que se diz e o que pragmaticamente se está supondo para que tenha sentido o que se diz. Este procedimento de comprovação, usado por Apel nestes termos e que constitui a chave da pragmática formal, é também assumido por Habermas, ainda que esse se mantém numa posição ambígua, que Apel crítica severamente. Habermas recorre a contradição performativa, mas também fala em ocasiões de comprovação empírica, enquanto que Apel mantém que o procedimento de comprovação é a contradição performativa e que sua aplicação conduz a uma fundamentação filosófica última, na medida em que os pressupostos pragmáticos transcendentais da argumentação são irreversíveis, ainda que auto-corrigíveis. Cf. CORTINA, Adela. Verdad e Responsabilidad, In: APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad y ética del discurso, 1998, p. 12.
[12] APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – A linguagem como tema e instrumento da reflexão transcendental, 2000, pp. 360-361.
[13]APEL, Karl-Otto Apel. Transformação da Filosofia II – O conceito transcendental-hermenêutico de linguagem, 2000, p. 402. Diz Apel sobre a unicidade universal: “no sentido do que denominei ‘comunidade de comunicação’ ou ‘comunidade de interpretação’ ilimitada, que está pressuposta, mas ao mesmo tempo ainda por construir, Schewemmer escreve o seguinte: ‘A construção dessa condição comum é necessária tanto para o saber quanto para a construção do entendimento. Pois o que distingue saber e entendimento do mero ter em mente e da mera interpretação é justamente o fato de que em lugar da unicidade em geral que se constata entra em cena uma unicidade universal exigida, ou seja, a condição comum do ter em mente e do interpretar. Assim, a formulação do saber e da intelecção são as duas partes de uma discussão que almeja a formação de uma vontade clara: as partes teórica e hermenêutica da discussão prática”. Cf. APEL, Karl-Otto. Transformação da Filosofia II – O a priori da comunidade de comunicação e os fundamentos da ética, 2000, p.448.
[14] Deste modo, na filosofia por exemplo, a validação do a priori kantiano por meio de sua “síntese transcendental da apercepção”, ou até mesmo do a priori hursserliano de suas “proposições cromáticas”, só poderão ser válidas caso sejam elevadas à um “paradigma” do jogo de linguagem transcendental, pois só aí é que a evidência consciencial de cada um está transformada, por meio do acordo mútuo, em uma validação a priori de encuniados para nós, de tal forma que essa validação pode valer como um conhecimento obrigatório a priori no sentido de uma teoria consensual da verdade
[15] Apel, em seu texto “Fabilismo, teoria consensual da verdade e fundamentação última”, demonstra que esses três conceitos, ao contrário do que muitos filósofos pensam, como por exemplo os racionalistas críticos, não são incompatíveis entre si, mas se pressupõe e se exigem mutuamente. Para tanto, Apel demontra que o princípio metodológicamente relevante do falibilismo, pertecente a teoria do conhecimento e da ciência, não corresponde, como complementação metodológicamente relevante, uma teoria da verdade como correspondência, no sentido do realismo metafísico. E sim à uma teoria do consenso que se explica no sentido semântico-pragmático da verdade mediante a idéia reguladora de um acordo, ultimo e sobre o qual já não se discute mais, de uma comunidade ilimitada de investigadores. Cf. APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdad e ética de discurso – Falibilismo, teoria consensual de la verdad y fundamentacion ultima, 1998, pp. 37-38.
[16] FERNÁNDEZ, Domingo Blanco. Discurso y realidad, em debate com K. –O. Apel, 1994, p. 267.
[17] Como este demonstrou, partir de uma dedução lógica é preciso “dogmatizar” a primeira premissa. É preciso “acreditar”, por exemplo, que “todos os homens são mortais” para se poder afirmar que “Sócrates”, uma vez sendo homem, também é “mortal”.
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